Responsabilidade pelo fato e pelo vício do produto

Os conceitos de responsabilidade pelo fato do produto e responsabilidade pelo vício do produto interferem diretamente na configuração do dever de indenizar da empresa ou do empresário. Por outro lado, estas duas espécies de responsabilidade possuem o campo de incidência distinto, bem como aplicabilidade singular.

Nesta esteira, qualquer conceituação ou delimitação errônea dos dois institutos trará prejuízos imensos na análise do dever de indenizar do fornecedor de produtos.

Responsabilidade pelo Fato do Produto

A responsabilidade pelo fato do produto deve ser considerada como responsabilidade pelos acidentes de consumo. Trata-se do dever de reparar que se impõe ao fornecedor de produtos em decorrência desse evento. 

Ressalta-se que o acidente de consumo terá sempre como causa o defeito no produto, não um mero defeito de funcionamento, mas um defeito que ultrapassa as esferas do produto para atingir o patrimônio moral e material do consumidor, o que implica no dever de indenizar da empresa ou empresário. (MIRAGEM, 2003)

O art.12 do CDC se refere ao fato do produto e estabelece:
“O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”
A responsabilidade pelo Fato do Produto decorre, portanto, do acidente do evento danoso que atinge o patrimônio moral ou material do consumidor, como por exemplo um aparelho celular que explode causando danos corporais. Observe que, neste exemplo, não se trata de mero problema de funcionamento, mas de grave problema.  

Responsabilidade pelo Vício do Produto

Noutra esfera, apresenta-se a responsabilidade pelo vício do produto, a qual recai sobre a empresa ou empresário em três hipóteses: 

1) vício que torne o produto impróprio ao consumo; 

2) vício que lhe diminua o valor; 

3) vício decorrente da disparidade das características dos produtos com aquelas veiculadas na oferta e publicidade.

Ressalta-se que, tais ocorrências fáticas nem sempre geram o mesmo direito ao consumidor. Haverá casos de configuração do dever de reparar o produto, do dever de trocar o produto por outro novo da mesma espécie, do dever de restituir o valor pago pelo produto, dentre outras hipóteses. (BENJAMIN, 2009)

O art.18 do CDC se refere ao vício do produto e estabelece:
“Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”

Diferenças entre Responsabilidade pelo Fato e pelo Vício do Produto

Uma vez conceituado a responsabilidade pelo vício do produto e a responsabilidade pelo fato do produto, ainda se faz imprescindível apontar outras diferenças entre os dois institutos de direito do consumidor. Tal apontamento poderá ter como objeto origem, delimitação, aplicabilidade e conseqüências jurídicas destes eventos tão relevantes na seara consumerista.

Em uma análise legislativa percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor se ocupa dos vícios do produto na III Seção (art.18 ao art.25), ao passo que a responsabilidade pelo fato do produto se dá na II Seção (art. 12 ao art.17). Dessa maneira, conclui-se que a legislação consumerista, por si só, já diferencia a responsabilidade pelo fato do produto e a responsabilidade pelo vício do produto, conferindo tratamento, conceitos e causas próprias de cada instituto. (GRINOVER, 1998)

Aponta-se como traço distintivo essencial entre a responsabilidade pelo fato do produto e a responsabilidade pelo vício do produto os conceitos de defeito e vício, os quais assumem valor jurídico singular. 

A responsabilidade pelo fato está ligada à idéia de defeito no produto, ou seja, a ocorrência de falha no produto capaz de desencadear o acidente de consumo e, por óbvio, danos ao consumidor. 

Em contrapartida, a responsabilidade pelo vício está ligada à ocorrência de falha no produto, capaz apenas de lhe diminuir o valor ou funcionalidade, sem, no entanto, afetar a integridade física, moral e patrimonial do consumidor.

Observa-se ainda que a idéia de defeito se liga à segurança do consumidor, ao passo que a idéia de vício se liga a qualidade do produto. (BENJAMIN, 2009)

O vício é uma característica própria e intrínseca do produto ou serviço em si. O defeito é um vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, a ausência de funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago. 

Dessa forma, na responsabilidade pelos fatos do produto e do serviço o defeito ultrapassa, em muito, o limite valorativo do produto ou serviço, causando danos à saúde ou à segurança do consumidor. Já na responsabilidade pelos vícios do produto ou serviço, o vício não ultrapassa tal limite versando apenas sobre a quantidade ou qualidade do mesmo. (NUNES, 2000)

Citam-se os exemplos esclarecedores acerca da diferença prática entre o fato do produto e o vício do produto nas lições de Cavalieri Filho:
“Se A, dirigindo seu automóvel zero quilômetro, fica repentinamente sem freio, mas consegue parar sem maiores problemas, teremos aí vício do produto; mas se A não consegue parar, e acaba colidindo com outro veículo, sofrendo ferimentos físicos, além de danos nos dois automóveis, aí já será fato do produto. Se alguém instala uma nova televisão em sua casa mas esta não produz boa imagem, há vício do produto; mas, se o aparelho explodir e incendiar a casa, teremos um fato do produto. (CAVALIERI FILHO, 2008, p.746)”
Noutro giro, a distinção entre a responsabilidade pelo fato do produto e a responsabilidade pelo vício do produto é relevante na definição dos legitimados a responder pelas lesões causadas ao direito do consumidor. 

A responsabilidade pelos fatos do produto ou serviços se apresenta ao comerciante como subsidiária, eis que, os obrigados principais são o fabricante, o produtor, o construtor e o importador. Assim, só será responsabilizado quando aqueles não puderem ser identificados, quando o produto fornecido não for devidamente identificado, ou ainda, quando não conservar os produtos perecíveis adequadamente.

Em contrapartida, na responsabilidade pelos vícios do produto o comerciante responde solidariamente, juntamente com todos os envolvidos na cadeia produtiva e distributiva. (GRINOVER, 1998)

Em síntese, a diferença entre responsabilidade pelo fato do produto (defeito) e pelo vício do produto, se apresenta na legislação e na doutrina consumerista, implicando nem diferentes formas de responsabilização e dos legitimados a reparar os danos ao consumidor.

Referências

BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009

BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Estabelece o Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed.. São Paulo: Atlas, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini, etal. Código Brasileiro de Defesa do Cosumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003

Como citar este artigo:

Meira, Hugo Vinícius Muniz. Responsabilidade pelo fato e pelo vício do produto. Hugo Meira | Advogado, 2020. Disponível em:
<https://www.hugomeira.com.br/2020/01/responsabilidade-pelo-fato-e-pelo-vicio.html>
Acesso em: (dia), (mês) e (ano).